Original Skin
A One Year Project by Super Gorrila
Desde cedo que somos numerados, como as vacas
ou os porcos. Somos picados logo de nascença como quem marca pelo fogo.
Analisam-nos o ADN como um teste de pedigree. Mapeiam tudo o que podem e
catalogam para no futuro tirarem proveito do que interessar. Nascemos num corpo
que aparentemente não é nosso, é de outro. Sentimos ao longo da vida que a
morte nos chega de todos os lados e que se não fossem os números, no fim não
éramos nada. Bem, talvez as palavras ainda contem, se forem em número
suficiente. A única maneira de fugirmos a não ser nada, é fazer não-nadas e
apresentar mais números. Aí estão. Somos mais que um corpo e uma mente. Somos
muitas vezes muitos corpos e anti-corpos em várias mentes. Da heteronomia, ao
bipolarismo à esquizofrenia, das próteses aos implantes e transfusões, o
controlo político sobre o nosso corpo é cada vez mais descaradamente
escandaloso e silencioso. O nosso corpo não é do Estado, muito embora o Estado
sejamos nós. Pode parecer paradoxal mas não o é, porque o que está em causa não
é apenas o corpo biológico mas também o corpo político. O primeiro jamais pode
ser de alguém enquanto que o segundo pode oscilar deste para aquele. Este corpo
que aqui se fragmenta representa não só a consciência contemporânea do tempo e
espaço fragmentado, como também a do sujeito fragmentado ou múltiplo e
consequentemente o corpo como um conjunto de coisas (órgãos e sistemas) que
todas juntas constituem uma unidade, mas que no fundo podem ser substituídas.
Reflete assim também sobre a ideia de bio-política e transhumanismo,
liberalismo mercantil e político, geo-estética e globalização. Este corpo
expandido, globalizado, eternizado, cósmico, ancestral, é de todos e de
ninguém. É publicamente anónimo, é plural em uníssono. É o nós, quando se
pergunta “quem vem lá?” Encontramos este corpo todos os dias em todos os
lugares. Desde no espelho da nossa casa, ao espelho na casa de alguém. Da nossa
memória às construções coletivas vividas. Mas é como se víssemos apenas um
vulto. Este corpo que se fragmentou, numerou, copiou e multiplicou como um
vírus ou rizoma, agora vai gestar por este universo fora. Expande-se para lá do
que é visível e sensível. Por vezes ainda ouvimos o seu eco nas paredes das
cidades, nos edifícios abandonados, nas lixeiras, nos jardins degradados, nas
ruas sujas. Paredes que já não evocam o útero. Paredes que já não estão vivas.
São paredes zombies, mortas mas ainda de pé. Caem aos pedaços com um vento
leve, aquele mesmo vento leve que nos acaricia a pele. Caem as peles, mas a
ossada fica. Esses ecos estão carregados de simbolismo, história, estórias,
narrativas e memórias coletivamente particulares. Esses ecos são também eles
números. Números mortos, de falecidos de morte natural, assassinados, frações
suicidas, infames deixados à sua mercê, indigentes. São números que nem são
letras nem são sons. Números que nem são complexos nem naturais. Números nem em
conjuntos nem separados. Esse número filosófico, metafísico e estético,
antropológico e astrológico. Esse número que é morte e vida. São todos esses
números que marcam este corpo, nosso corpo, esta pele que é a nossa pele
disfarçada de si mesma num outro corpo. Este corpo já não morre. Caminha por
entre as coisas produzidas artesanalmente e industrialmente, caminha por entre
a cidade e a internet, caminha um mundo sem fronteiras. E caminhando vai-se
mantendo vivo, tal como o mito, geração após geração. Este é o corpo do novo
profeta, numa pele original. Esta é a pele original, essência de todas as
essências dérmicas. Esta é a nossa pele, a pele do nosso corpo. Sim de todos
nós. Todos os dias. Este é o verdadeiro não-nada que é instaurador da verdade
em ato gerador do tegumento de todos os corpos.
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